"Pois bem, que assim seja! Que minha guerra contra o homem se
ternize, já que cada um de nos reconhece no outro sua própria degradação... Já
que somos ambos inimigos mortais. Quer eu deva conseguir uma vitória desastrosa
ou sucumbir, o combate será belo; eu, sozinho contra a humanidade"
Conde de Lautreamont
Os Cantos de Maldoror
Banda: Deathspell Omega
Genero: Black Metal / Death Metal / Brutal Prog /
Hate Music
Período de Atividade: 1998 / Atualmente
Formada no
fim dos anos 90, oriundos da cidade de Poitiers o Deathspell Omega é a
mais sólida e talvez a banda mais cavalar de toda a história do Black Metal. Musicalmente não existe muito o que dizer sobre eles: Imagine os blastebeats mais cavalares que se possa imaginar, uma excelência vocal que vai desde o tradicional gutural do estilo até vocais limpos, imponentes e majestosos. A qualidade instrumental não existe em nenhuma outra banda do gênero a banda consegue juntar influencias totalmente diversas do Black Metal norueguês, momentos ambients, Doom Metal e pasme até momentos um tanto progressivos e jazzistas, embora sempre prontos para a guerra, sob uma pesada roupagem de metal extremo. Sem palhaçada, por favor, eu não estou falando de Symphonic Black Metal
tipo Dimmu Borgir ou um Satyricon. Deathspell Omega é tão genial que conseguiu até pegar um
elemento básico dessa lama em pelo menos um álbum teu e consertar: "Si
Monumentum" possui corais... Gravações de corais ortodoxos das igrejas
gregas e russas! Porra eu bati na mesa de emoção ao ouvir isso, juro, foi algo absolutamente imprescindível. Si Monumentum é realmente um
álbum triste, genuinamente triste, Fas-ite tétrico e macabro e Paracletus
intenso como se as estrelas estivessem se apagando no céu em uma velocidade inconcebivel. E friso que ainda existem os EPs monsrtuosos tais como Kenose e as gigantescas gigantescas
faixas sempre na casa dos 20 minutos cada uma como "Mass Grave
Aesthetics", "Chaining the katechon" e "Diabolus
Abscontidus", todos musicalmente no mesmo nível de excelência.
Filosoficamente é a banda mais rebuscada que o Black Metal já conheceu. Como disse na introdução ao Black Metal Frances que escrevi na semana passada as bandas de black metal da França possuem essa estranha característica que remete Satan de John Milton: Para ter sentido depende justamente do cristianismo. E é no Deathspell Omega que esse dado cala mais fundo. Dito isto, se foi a febre que ocasionou os
sonhos em Walter Gilman ou os sonhos que ocasionaram a febre, isso já não tem
mais a menor importância Na parte ideológica eu realmente não me identifico
com essa banda, mas sei reconhecer o valor de um bom argumento quando o vejo pelo
frente, e no que se refere a isso a banda é impecável Auto-denominados
como Satanistas Ortodoxos, é claro que falamos linguagens diferentes porem só
de ver alguém abordando um universo tão surrado como o satanismo com grandes méritos
intelectuais já é o suficiente para ao menos chamar minha atenção. Referencias a autores e filósofos malditos estão por toda parte, a
fantasmagoria gótica e o surrealismo também. Peguemos por exemplo a maior
referencia intelectual da banda, o surrealista francês Georges Bataille, figura
emblemática no niilismo pós moderno, Bataille procurou na afirmação do
individuo uma salvação para a prisão dos tempos modernos. E sua busca o
conduziu pelos meandros obscuros da psicanalise e da literatura maldita. Pelas
obras deste pensador, principalmente o seu celebre "A Literatura e o
Mal" diversas influencias literárias de nomes como Emily Brontë,
Baudelaire, Jules Michelet, William Blake, Sade, Proust, Kafka e Jean Genet se
fazem presentes na banda. A literatura para Bataille "É comunicação,
impõe uma lealdade, uma moral rigorosa.
Nada traduz melhor a banda do que esta rígida disciplina somada a necessidade de expressar uma mensagem até então escondida. Outras influencias da banda incluem o exegese bíblico, visto que são abundantes as passagens da tradução latina de São Jeronimo a celebre Vulgata encontradas nas músicas. Acenos gnósticos estão presentes no seu EP de nome "Kenose", cujo significado em grego antigo remete ao "esvaziamento divino" e foi uma doutrina do cristianismo primitivo apoiada por muitos autores gnósticos que predicava que uma vez que Jesus Cristo viveu entre os homens ele se 'esvaziou de sua energia divina' para lograr tal existência. Para alguns o exemplo do esvaziamento de Cristo se manifesta ao tirar de nossos corações tudo aquilo que nos prende ao mundo material (kenosis)". Por incrível que possa ser afirmar isso ao apoiar essas teorias o Deathspell Omega auto-proclamado satanista fica muito próximo do gnosticismo dos primeiros cristãos da era apostólica que viviam a kenose de auto-esvaziamento pois entendiam que a principal verdade por trás deste conceito é a ideia de abandonar um estilo de vida egocêntrico para adotar um estilo de vida altruísta. É fato então que sem o cristianismo o Deathspell Omega não iria se sustentar filosoficamente e esse deve ser o maior dilema do mundo para os satanistas porque por rebuscados que sejam seus argumentos e vigorosas aparentem ser as suas motivações eles nunca conseguem ir alem de uma simples inversão sem nunca criar ou mesmo destruir como faz o ateísmo restando apenas a possibilidade de reverter um odiado mas necessário inimigo.
Na sua estupenda trilogia que contem os álbuns "Si
Monumentum Requires, Circumspice", "Fas-ite Maledecti In Ignem
Aeternum" e "Paracletus" a banda explorou esse tema da metafisica do dualismo com vigor: Cada lançamento da trilogia representou um ente primordial,
respectivamente: Deus, Satan e o ser humano dividido eternamente entre esses
dois. Para a banda Deus é um ser em permanente exílio desde o momento
da criação do universo, pois para faze-lo se desprendeu de grande parte de seu
poder original, sendo um ser não onipotente como acreditam os crentes
tradicionais, mas que apenas pode influenciar até certo ponto os
acontecimentos, não podendo nem evita-los, nem modifica-los. Satan é a
contraparte que age diretamente no mundo dos homens, uma vez que Deus permanece
no exílio da sua infinita mente prostrada entre o espaço e tempo, Satan o
'outro deus', o das coisas possíveis age neste mundo pois invariavelmente, uma
vez que o ser humano tende sempre ao mal, e Deus já não tem mais o poder para
intervir nisso, é consequência direta que o mundo se torne cada vez mais
degradado. Cabe ao ser humano como ponto de equilíbrio entre essas duas forças
primordiais decidir o seu caminho: Almejar a santidade junto a Deus e
resgata-lo do seu exílio ou o reino das possibilidades da vida terrena ao lado
de Satan. Todavia a Trilogia encerra com o tétrico alerta a uma terceira
possibilidade que ocasionalmente surge entre esses dois caminhos: O
materialismo e a descrença. Nesses casos satanistas e cristãos convergem drasticamente pois o que é dito de maneira poética e trágica nos últimos versos da faixa de encerramento de Paracletus poderia ser dito por qualquer católico que se preze acerca da descrença absoluta:
"Vós procurastes a potencia, clamou por justiça, esplendor, vós
procurastes por amor! Todavia eis sua falha, eis o poço, eis o seu poço, cujo
nome... É silêncio."
E assim tudo se encerra. Toda a filosofia da banda pode ser resumida em um gritante manifesto contra a mediocridade da era moderna e este é evidentemente um mal estar compartilhado também por muitos cristãos que não se renderam a Pós-Modernidade. Por isso coloquei a famosa sátira de Lautreamont como epigrafe neste artigo, não sabemos o quanto de humor negro existe na banda mas uma coisa é bastante clara: Todo e qualquer insatisfeito com o mundo tem mais a ver com outros insatisfeitos do que com seres resignados, "eu sozinho contra a humanidade" é um grito de revolta para legiões e não um mero grito individual. Pode parecer que a parte musical neste artigo ficou suprimida mas foi necessário ainda que se trate de uma das bandas mais musicalmente formidáveis da atualidade e seja altamente recomendável. É irônica a conclusão que tiro de tudo isso mas não é exagero dizer que quando Satan se vê refletido em um espelho ele só consegue ver a imagem de Deus fato o qual comprovei empiricamente justamente quando ouvir Deathspell Omega.
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