terça-feira, 9 de julho de 2013

PainKiller: oceans of aural terror





Muito embora considere que John Zorn tenha se transformado, de uns 10 anos para cá, numa espécie de máquina de reprocessamento / diluição ad infinitum de suas matrizes estéticas, os trabalhos que gravou com o PainKiller e o Naked City; projetos como o caleidoscópico Xu Feng; os registros com o Electric Masada, etc., são simplesmente geniais, classificando-se até hoje entre o que há de mais brutal, original e surpreendente no âmbito do avant rock.

O disco em tela, lançado em 1994, representa a outra face do espectro estilístico explorado pela demoníaca tríade formada por Zorn, Bill Laswell e Mick Harris: se Guts of a Virgin (1991) e Buried Secrets (1992) estão pejados de mercuriais explosões de schizocore concentrado, Execution Ground, ao contrário, desdobra-se epicamente em gigantescos oceanos magmáticos de terror sonoro in extremis. A estética proposta pela banda é uma nebulosa metamórfica de avant hardcore, free jazz, ambient noise e dub, com longas passagens de fantasmagoria instrumental bombardeadas pelos morteiros percussivos de Harris e pela fuzilaria avant noise do sax de Zorn, ambos multiplicados ao infinito por estarrecedores efeitos de echo e delay, enquanto Laswell providencia a argamassa sonora com a hipnose fantasmática de seu baixo.


No disco 2, que apresenta estratosféricas versões ambient dub para Pashupatinath e Parish of Tama, a coisa toda começa a assumir contornos a um só tempo mais contemplativos e ameaçadores. Samples de abissais cânticos Gelug-pa abrem as comportas para um fluxo subterrâneo de percussões lemurais, bramidos agônicos de saxofone e vozes espectrais, sob a oscilação contínua e trovejante da usina subsônica de Laswell. A atmosfera lograda é decididamente sombria e luciferina, BAD TRIP, paranóia, visões funéreas, acenos alucinógenos de Kenneth Anger, litanias sepulcrais, basiliscos venenosos, Missa dos Vermes, na floresta um sabbath infernal, onde o Baphomet, vociferando maldições terríveis, traça um pentagrama com sangue impuro, enquanto, em louvor a seu Mestre, enquanto sacerdotisas corrompidas profanam um crucifixo sob o eflúvio de miasmas lunares.

Há que destacar também o extraordinário trabalho do produtor Oz Fritz, mormente no disco 2, onde a lisergia alienígena das versões ambient evoca o inesquecível trabalho de engenharia sonora logrado por Teo Macero em Bitches Brew; vale, por fim, louvar a qualidade técnica do registro, sobretudo no que se refere à percussão, que é simplesmente DEVASTADORA, de modo que cada simples rufada de bateria soa como um verdadeiro tiro de Dicke Bertha derrubando tudo pela frente.


Um adendo: quem curtir esse álbum não pode deixar de conferir Talisman (Live in Nagoya), outro exemplar arrasador do PainKiller oceanic dub subsonic noise terror version full mode ON. Acrescente-se ainda outro notável disco ao vivo do projeto, Live in Osaka, que se não tem a mesma qualidade cristalina de registro que caracteriza Talisman , é também uma eloqüente demonstração do que o trio era capaz de fazer. Ainda com a formação original (Zorn - Laswell - Harris), há Rituals - Live in Japan, que ao contrário dos dois álbuns anteriores, retrata a vertente Guts of a Virgin / Buried Secrets do espectro 'painkilleriano'. O repertório é excelente, claro, mas infelizmente a percussão foi mixada d'um modo estranhamente agudo e 'artificial', o que a meu juízo acaba por prejudicar bastante o resultado final. Em todo caso, vale conferir.

Por fim, no bojo da interminável comemoração dos 50 anos de Zorn, o volume XII da série 50th Birthday Celebration registra um concerto comemorativo do PainKiller em NY, no ano de 2003. Na bateria temos Hamid Drake substituindo Mick Harris, com Mike Patton assumindo as pirações vocais anteriormente a cargo (nas apresentações ao vivo) de Yamatsuka Eye e Keiji Haino. A qualidade da gravação é magistral, mas a meu ver o disco é um equívoco: malgrado seja um excelente baterista ('tecnicamente' superior a Mick Harris, inclusive), o approach mais classicamente jazzístico de Drake não combina com a sonoridade do PainKiller, e no que tange a Mike Patton, temos o que considero como uma de seus performances menos inspiradas.


Enfim, preclaros irmãos d’armas: submetei-vos à destruição sonora em regra do PainKiller!

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Alfredo RR de Sousa 

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