Amiúde tenho protestado contra o verdadeiro maremoto de lançamentos que Makoto Kawabata e sua gang de japas psico-sônicos despejam sobre seus fãs ano após ano, de certa forma trivializando, ou até mesmo vilipendiando, o assombroso impacto de sua extravagante entidade polimórfica e comuna místico-musical, o anarco-transcendente Acid Mothers Temple. São catadupas de álbuns das infinitas encarnações do AMT por 34343231 selos diferentes a cada semestre, todos eles mais ou menos pertencentes a duas únicas vertentes estilísticas: colossais maelstrons elétricos de psicodelia over the top em maximum psych noise mode on ou então plácidas e narcolépticas sinfonias abissais de drones psicoativos mergulhadas em oceanos de bruma púrpura. Até que ponto, é a pergunta que se impõe, seria possível para Kawabata apresentar tonalidades novas a partir de uma paleta de apenas duas cores?
Não obstante, o filho da mãe, além da pretensão de bater Robert Fripp in his own game em termos de obscena voracidade mercantilista, é também talentoso as bloody'n'loony'n'spacy hell e, dessa forma, a cada carrada de discos perpetra pelo menos uma obra-prima de fazer o ouvinte desejar mergulhar num obnubilante turn on tune in drop out'timothylearyano' nos ignotos confins da sonic neverness para nunca mais retornar...
IAO Chant From The Cosmic Inferno (2005) é a quinta das sete sulfurosas emanações (em pouco mais de um ano...) já creditadas a mais recente entidade kawabática, o Acid Mothers Temple & The Cosmic Inferno; trata-se, em primeiríssimo lugar, de uma homenagem de nosso herói ao saudoso baterista Pierre Moerlen, falecido em 2005, e, por extensão, a todo o magnífico legado do Gong. Como de hábito em termos de Cosmic Inferno, o número de faixas é inversamente proporcional à ciclópica duração das mesmas: no caso em tela temos apenas uma, intitulada laconicamente OM Riff.
Bem... como descrever mais esse titânico monstro urdido pela mais insana das metalurgias sonoras alocadas no arquipélago do Sol Nascente? Tentemos à partida uma descrição por assim dizer objetiva:OM Riff desdobra em inacreditáveis 51 minutos de duração praticamente UM ÚNICO riff de guitarra e o esotérico coro IAO ZA EE ZAO MA EE MAO TA EE TAO da clássica Master Builder, peça registrada pelo Gong em You (1974), terceiro álbum da célebre trilogia anarco-patafísica de Zero the Hero. Isto posto, não sei consegui entender o que o nosso Grã-Ronin do estraçalhamento psíquico de garagem e seu séquito aprontaram dessa feita... os caras simplesmente viram e reviram do avesso o riff de Steve Hillage de todas as formas possíveis e imagináveis em jams avassaladoras e incontroláveis, mas também de alguma maneira inescrutável logram manter a integridade formal do original numa alquimia magistral, Futoshi Okano, Mitsuru Tabata e Koji Shimura estabelecendo uma propulsão contínua para que Kawabata e Hiroshi Higashi pulverizem o Universo com sua artilharia de guitarras esynths incandescentes; assim sendo, OM Riff é a um só tempo uma improvisação ad infinitum, arremessada nos páramos estelares da nebulosa derradeira do caos psyched out, e uma summa magnífica de toda a miríade de sensações e sonoridades do space rock, mantra hipnótico e troar aterrador numa mesma mandala multifacetada ricocheteando em reflexos invertidos na Arcana Diabolica, Gong, Hawkwind, Amon Düül II, Guru Guru e o ARCANO planando sobre quasares alucinógenos and setting the controls for the heart of the Sun. Sob as bênçãos lisérgico-cibernéticas de Makoto Allen e Daevid Kawabata, a rutilante espaçonave 'Acid Mothers Gong & The Radio Gnome Inferno' atravessa a singularidade gravitacional do espaço-tempo psicodélico na colisão cataclísmica de sistemas estelares gigantescos and so on...
Enfim, o que temos aqui é uma fascinante dissonância cognitiva: se cônscios estamos de que há 10 anos Kawabata malandramente recicla as mesmíssimas matrizes estéticas, de bom grado estamos dispostos a rei teradas vezes cair em seu logro, pois o nipônico Speed Guru, mesmo perpetrando algumas irrelevâncias no compasso industrial de sua produção discográfica, é ainda o mais brilhante magnetizador do fogo dos sonic gods de que se tem notícia this side of the galaxy. Afinal, quem mais consegue sintetizar com tanta classe, intensidade e conhecimento de causa o que de melhor foi feito na história do rock'n'roll?
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Alfredo RR de Sousa
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